A era dos heróis no cinema pode ter atingido seu apogeu com a conclusão da saga dos personagens mais famosos da Marvel nesse 2019, em Vingadores Ultimato a Disney pode ter encerrado de forma primorosa, ou enterrado de vez o clímax de histórias de super-seres dotados de moral e justiça, enredo esse que parecia bem usual e portanto alvo de muitas críticas ao longo de seus diversos capítulos, assim como disse recentemente o cineasta Martin Scorsese que os filmes feitos pela Marvel Studios “não é cinema de verdade” isso pode ser uma saturação de um subgênero que pode ter encerrado a onda de empolgação dos fãs de personagens de histórias em quadrinhos.
E esse preâmbulo textual nada mais é do que um mero artifício para debatermos a mais nova produção da Warner nos cinemas, não por acaso um personagem nascido também nas HQ’s, mas esse pelo selo da DC Comics, que já teve seus altos e baixos no cinema, mas sempre acompanhado do seu arquirrival mais notório, estou falando claro do Coringa, vilão com presença marcante nas histórias do Batman. E assim como a Marvel teve seu maior trunfo com super- heróis, a DC parece, (talvez não de maneira proposital) ter encontrado nos vilões, seu personagem mais notório. O mais novo filme que conta a origem do palhaço do crime de Gothan City nos mostrou isso, sucesso de público e crítica o longa já é cotado como um dos melhores filmes de 2019, um forte candidato à melhor filme e melhor ator na premiação do Oscar do ano que vem.
O filme é dirigido por Todd Philiphs (Se Beber Não Case) e traz uma visão realista e impactante da origem do personagem. No papel de Artur Fleck, em seu processo de transformação temos um dos atores mais competentes dessa geração, Joaquin Phoenix (Ela / Johnny & June / Gladiador) e também o veterano Robert De Niro (Os Intocáveis / Fogo Contra Fogo / Taxi Driver). A produção atentou para que esse filme se distanciasse do aspecto literal e ficcional da Gothan dos quadrinhos, abrindo mão da arquitetura imponente, deixando de lado o gótico e o “noir” para nos apresentar uma cidade típica dos cenários metropolitanos, dominada pelo caos urbano, fruto do descaso e da corrupção política, algo que nos aproxima ainda mais da história.
Como se Faz Um Vilão (Receita Básica)
As histórias de origem de personagens heroicos e vilanescos, sempre são marcadas por situações difíceis e de um passado de privações e traumas, e com Arthur Fleck não foi diferente, porém aqui não estamos falando de um herói, mas de um vilão, ou diga-se de passagem, um “super-vilão”. A receita parece simples, pegue um indivíduo que foi privado de quase todas as oportunidades, com problemas de interação social, em função de distúrbios neuropsicológicos, que vive ao lado da mãe em situação de pobreza, e que vê cotidianamente seus esforços serem minados por uma cidade que está sempre pronta para derrubá-lo a cada vez que ele tenta se reerguer. Pronto, temos um cenário perfeito para que a esperança e a coragem, dê lugar ao ódio e a violência, que a primeira vista pode parecer usual e até compreensível, mas a história se aprofunda à medida que o processo de transfiguração do personagem se desenha e ganha contornos de uma narrativa ideológica.
Mas Cadê o Batman?
A ideia parecia ser arriscada, um filme de um vilão sem a presença de um super-herói, mas parece que a obstinação do diretor era real, e tal qual um blefe ele dobrou a aposta, e depositou todas as fichas em Phoenix, que mergulhou de cabeça, e entregou uma atuação que já rivaliza sem nenhum prejuízo com a atuação de Heath Ledger em Batman O Cavaleiro das Trevas, até o momento considerada uma das mais formidáveis interpretações do vilão nos cinemas. Mas até mesmo fãs com pouca bagagem, vão conseguir encontrar diversas referências do universo do homem morcego no filme, a contar pela cidade de Gothan, o longa ainda traz a presença da família Wayne, e o hospital psiquiátrico mais conhecido das histórias e games como o Asilo Arkam, também é possível vermos o pequeno Bruce, herdeiro da família Wayne ainda em tenra idade, e uma figura que possivelmente pode ser a de Alfred Pennyworth mordomo e tutor do jovem e futuro Batman.
A Outra Face (Não Tão Oculta) De Nós Mesmos
A história parece nos colocar em um lugar de confronto, onde em diversas situações a saga do personagem desperta certa empatia, diante de tantas injustiças e desigualdades vividas, mas essa não parece ser a maneira mais saudável de observar os fatos, e mesmo numa associação rápida ou na observância de causa e efeito, a violência e a indiferença que o vilão imprime em suas ações, não é algo que deve ser considerado, ou romantizado, situações essas com um potencial enorme para causar comoção e polêmicas, isso porque não só aqui, mas no mundo todo, a guerra de narrativas ideológicas se instaurou de maneira factual, e por vezes neurótica, em todas as esferas de interação e convívio social, o medo e a insegurança, é o combustível perfeito para que a história contada nesse filme traga um vislumbre de possibilidades reais, e isso talvez seja o que mais tem incomodado os mais pessimistas e temerosos.
Retomando nossa primeira análise, Coringa pode ser entendido como a antítese da figura heroica que inspira a justiça e a compaixão, enquanto os heróis protegem o mundo de ameaças improváveis e catastróficas, Coringa é o vilão da própria história, que dá vazão ao ódio, que se deixa mergulhar na maldade e na revolta, que não vê o mundo como algo a ser salvo, mas sim moldado e exposto às suas próprias frustrações e fraquezas, é como se cada queda ou revés, servisse de ponto de partida para a construção de um ser que vai se alimentar das próprias tristezas para infringir sofrimento e dor, e que aos poucos vai sucumbindo à loucura e ao caos.
Esse talvez seja o alvorecer de uma nova perspectiva nos filmes baseados nas histórias de quadrinhos, de certa forma o momento é o mais apropriado, onde uma franquia encerra uma década de feitos heroicos, e outra ressurge com uma obra baseada na origem de um vilão, que não pode ser apenas submetido ao escrutínio da polarização ideológica. O Coringa não é uma persona indigna, ou vazia nos seus ideais, ele tem forma, corpo, substância, e aliado a uma atuação majestosa, que demonstra o quão somos susceptíveis a influências e semelhanças retratadas.
Talvez o Coringa retratado por Phoenix e Philips, é o resultado das pequenas covardias humanas do nosso cotidiano, um pouco da nossa indiferença, de nossa apatia social, é um soco no estômago, é amargo e indigesto, e por mais que seja injustificável tal insurreição, a sensação de que a qualquer momento algo do tipo possa surgir em nosso meio não é mera especulação.
Por Ricardo França
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